domingo, 19 de junio de 2022

Citas: Eu sobrevivi ao Holocausto - Nanette Blitz Konig

x


 "Será que pressentimos aquele momento em que nossa vida é virada de cabeça para baixo, e o que uma vez tratamos como familiar passa a não mais existir? Será que eu soube o exato instante em que o curso de minha vida seria alterado para sempre? Às vezes penso naqueles momentos de infância, recordo-me de tempos com meu pai, minha mãe e meus dois irmãos. São lembranças tão distantes que chego a me esforçar para que a tonalidade em branco e preto delas não se apague ainda mais".


"Pego uma foto e observo meus pais felizes em seu casamento: foram momentos tão bons, tão cheios de amor, que me deixam feliz por ainda não tê-los esquecido. A infância me remete a sorrisos, a risadas, à leveza e à liberdade. Rostos tão alegres, tão puros, condenados à inexistência pelo simples acaso do destino de terem nascido judeus".

"Os campos de concentração eram lugares para os nazistas extinguirem o povo judeu. Para eles, ali não existia família ou ser humano".

"No final de 1941 foi comunicado que os judeus não poderiam frequentar a escola que bem entendessem (afinal, que pretensioso de nossa parte, não?). Na Holanda foram criados 25 colégios judaicos, e eu deveria passar a frequentar um destes. Não sei ao certo qual foi a minha sensação naquele momento. Era simplesmente o que deveríamos fazer e assim foi feito, mas imagine para uma menina de doze anos, com toda a sua curiosidade pelo mundo e realizando descobertas sobre si, ter que mudar todo o seu conceito de vida de uma maneira abrupta".

"Foi nesse novo colégio judaico que eu conheci uma menina magra, bonita, de sorriso cativante e que chamava a atenção de todos por suas histórias e frases inteligentes: Por uma mera coincidência do destino, eu e Anne Frank ficamos na mesma escola e na mesma classe".

"Todos eram judeus ali, entre professores e alunos, algo que foi se tornando muito
dramático ao longo da guerra. No primeiro ano havia 30 alunos na minha sala; no segundo éramos apenas dezesseis. As pessoas simplesmente desapareciam e não sabíamos nada sobre elas, não se comentava nada.
Estariam escondidas ou teriam sido deportadas? No final de junho de 1942 já havia sido noticiado na imprensa holandesa que os nazistas decidiram enviar os judeus para campos de trabalho forçado na Alemanha".

"A mim, é impossível compreender como Hitler conseguiu tal empreendimento: transformar homens e mulheres em seres brutais, sem o mínimo senso de humanidade. Este seria só mais um dos momentos de questionamento.
Depois de setembro de 1943, enquanto permanecia a caça aos últimos judeus escondidos, a Holanda foi declarada como sendo livre de judeus.
Empresa de mudanças contratada pelos nazistas para esvaziar os lares dos judeus deportados".

"O que sentir nesse momento, além de medo? Não há outra sensação que eu me recorde de conviver tanto nesse período; o medo havia se tornado o meu melhor amigo".

"Não teria alguém para nos ajudar no caminho? Não poderiam ter feito algo? De fato, todos estavam muito aterrorizados para fazer qualquer coisa. Ajudar um judeu poderia significar a morte".

"Ainda não sabíamos ao certo para onde os transportes nos levariam, mas o conhecido era sempre melhor que o desconhecido, e já sabíamos sobre a existência de campos de extermínio".

"Na época da guerra, não sabíamos o que havia acontecido àqueles deportados para outros campos.
A falta de informações proporcionava uma sensação horrível. Pessoas desapareciam – pessoas que você ama, com as quais você convivia todos os dias – e não havia nada a fazer. Começávamos a imaginar o que poderia ter acontecido, mas não havia rastros. E estávamos vivendo a mesma situação, também sem ter certeza do que nos aconteceria no futuro próximo. O que seria feito de nós?".

"Conviver com a falta de higiene é algo que tira a dignidade de qualquer ser humano. Quando se é obrigado a viver em um ambiente desses, sente-se extremamente humilhado".

"Diante de todo aquele sofrimento, diante de tudo aquilo que estava acontecendo com o povo judeu e outras minorias consideradas inferiores pelos alemães, muitos se perguntavam: onde estaria esse Deus que havia deixado tudo aquilo acontecer? Como permanecer com fé, assistindo a toda a desgraça que presenciávamos? Certamente, esse era um questionamento viável para aqueles que sofriam".

"Como poderíamos celebrar a data de nosso nascimento quando havia mais expectativa de morte do que vida? As pessoas faleciam e não havia tempo para lamentar; deveríamos seguir em frente e tentar sobreviver por mais um dia". 

"Estar viva já se mostrava um milagre para mim, depois de tudo que havia passado. Ainda teria,
porém, que lutar muito para sair daquele lugar; sozinha, eu enfrentaria as piores situações e encararia a morte".

"Era um inferno viver em meio a tantos cadáveres espalhados ao seu redor, toda vez pensava com desespero:
“Meu Deus, também farei parte dessas pilhas? Vou ser a próxima a morrer e a ficar jogada dessa forma, como um nada, como alguém sem nome?”.

"Em Bergen-Belsen, eles também tentariam se livrar dos arquivos que continham os dados dos prisioneiros e os relatos de toda a maldade que acontecia ali. Além disso, havia a identificação dos membros da SS que trabalharam lá, algo que poderia ser um problema enorme para esses indivíduos caso a Alemanha realmente saísse derrotada da guerra. A responsabilidade daquilo que haviam feito começava a pesar em seus ombros.
Foi nesse cenário que um dia, de repente, percebi que no local em que eu estava não existia mais a cerca. Eu não podia acreditar no que viam meus olhos! Isso aconteceu sem aviso algum, sem explicação alguma! Talvez fosse um indício de que algo maior estaria mudando o rumo da guerra, mas eu só associei o fato com a possibilidade de conseguir procurar Anne e falar com ela.
Atravessei o espaço que antes não me era permitido e segui em frente. Era uma reduzida sensação de liberdade: não uma liberdade total, obviamente, mas já poderia dar mais passos do que antes; agora havia mais a explorar. E eu estava determinada a atingir meu objetivo!
Andei ao redor do campo procurando Anne. Torcia intimamente para encontrá-la, afinal, havia uma grande possibilidade de ela estar morta, já que não era muito difícil morrer ali. No entanto, segui com minhas esperanças.
Da mesma forma que o destino pode nos colocar em situações extremamente difíceis, ele também pode nos trazer presentes que vêm carregados de bons presságios. Eu poderia estar em um campo de concentração, debilitada, mas encontrar Anne seria uma felicidade! E foi assim que o destino, o acaso, me levou até ela. Eu nem acreditava que a havia encontrado – e ainda viva!
Não me contive de ansiedade e felicidade e gritei: “Anne!”. Ela ouviu seu nome ser chamado, talvez se perguntando de onde estaria vindo aquele som que lhe era familiar, e virou seu rosto em minha direção com aqueles olhos e sorriso que eu tanto havia visto no Liceu Judaico. Foi um momento muito emocionante! Ela estava envolta em um cobertor, pois não aguentava mais os piolhos na sua roupa, e tremia de frio. Corremos para nos abraçar, e lágrimas caíam dos nossos rostos, lágrimas que possuíam todos os sentimentos misturados: lágrimas de alegria e alívio por termos nos encontrado naquele ambiente sem vida, lágrimas pela situação deprimente em que estávamos, lágrimas, também, porque naquele momento nós duas estávamos sem nossos pais, sem nenhuma proteção.
Ainda é um mistério para mim como pudemos nos reconhecer: dois esqueletos naquele lugar em meio a tantos outros que não conseguiam se diferenciar".

"Ainda encontrei Anne e Margot algumas outras vezes. Sempre conversávamos a respeito do que estávamos passando. Também contei que não estava mais com minha família e tudo o que tinha acontecido comigo. Infelizmente, não demorou muito para que nossos encontros cessassem. O destino não permitiria mais que déssemos suporte umas às outras; eu voltaria a estar sozinha ali.
Um dia não encontrei mais Anne. Fiquei sabendo por intermédio de outras mulheres que estavam no campo que ela não tinha sobrevivido. Margot e ela faleceram em março, ambas contaminadas por tifo. Margot um dia caiu da sua cama morta (já não tinha mais forças nem para sair da cama), e Anne morreu poucos dias depois, também debilitada pela doença".

"Podemos dizer que todos os que morreram não tinham mais vontade de viver? Não era isso que ditava sua vida em Bergen-Belsen. A sobrevivência era uma mera sorte, ou até mesmo um milagre".

"Nossa outra amiga que também esteve em Bergen-Belsen, Lies Goosens, esteve também no Campo Estrela mas não onde eu estava, e só viríamos a descobrir isso quando nos encontramos depois da guerra. Lies me disse:
“Você foi a única que abraçou a Anne; eu mesma nem consegui vê-la, apenas falar através da cerca e jogar um pouco de comida para ela”.
Realmente, meu encontro com a Anne foi muito especial e emocionante".

"Muitos sonhos foram destruídos durante o Holocausto, muitos sonhos que não tiveram tempo de ser realizados".

"Agora, era necessário reiniciar minha história em outro país e de outra forma. Eu ainda não sabia como iria fazer isso, como ia me sustentar com o pouco dinheiro que recebia do banco, mas estava determinada a lutar para me restabelecer. Afinal, eu não havia chegado até ali para desistir. As circunstâncias já haviam sido um pesadelo, e mesmo assim eu resistira. Então, seguiria lutando".

"Quem não viveu em um campo de concentração não pode imaginar que, mesmo quando você deixa o campo, o campo não deixa você, não há paz".

"Apesar de todas essas terríveis lembranças, fui forte o suficiente para sobreviver e seguir em frente, força que envolve superar todos os pesadelos e as angústias que guardo dentro de mim. Todos os sobreviventes do Holocausto guardam traumas dessas terríveis passagens da nossa vida, e cada um tem que lidar com seus próprios fantasmas. Eu nunca retornei a Bergen-Belsen, nunca conseguiria pisar novamente naquele lugar". 

"Nunca vou conseguir superar e aceitar tudo o que aconteceu comigo, mas vou permanecer falando até os últimos dias, para que ninguém jamais possa afirmar que isso não aconteceu, e para que o mundo não esqueça as dores que a intolerância pode causar. A minha vida eu dedico à minha luta, e assim eu farei até o fim".











Nanette Blitz Konig 

No hay comentarios.:

Publicar un comentario